domingo, 18 de julho de 2010

A Calçada é para Pedestres?

Afinal, de quem é a calçada? Essa aconteceu durante uma saída ao supermercado. Vínhamos, eu e minha mãe, pela calçada. Calçada esburacada, diga-se de passagem, lugar comum na maior parte das cidades brasileiras. Precisávamos atravessar a rua. Para isso, seguimos em direção a um sinal de trânsito localizado em frente a um posto de combustíveis.

A calçada do posto estava sem buracos, mas escorria água com sabão e óleo, o que a tornava um perigo iminente. A chance de nos tornarmos personagens de um acidente era grande. Acrescente-se a isso, o fato de termos dificuldades em nos locomover com a destreza dos atletas e dos artistas de circo. Somente recordando: tenho um joelho lesionado e minha mãe é idosa e sofre também com problemas nos joelhos e coluna.

Para atravessarmos com um mínimo de segurança, nos dirigimos ao sinal de trânsito por cima da calçada do posto de combustíveis, tomando cuidado para não pisar nos locais em que a água escorria. Logicamente, essa travessia não poderia ser feita rapidamente. Enquanto passávamos, fomos surpreendidas por um carro que entrava no posto sem se preocupar com quem estava na calçada.

Eu estava um pouco mais a frente e, ao olhar para trás, reparei que o motorista “empurrava” o carro pressionando minha mãe a andar mais rápido, pois, provavelmente, ele estivesse com pressa. Detalhe: o posto estava completamente vazio. O frentista dizia para minha mãe que ela não precisava andar mais rápido, embora o motorista insistisse em pressioná-la.

O motorista parecia dizer alguma coisa em protesto pela vagareza de minha mãe. Não cheguei a entender exatamente o que a infeliz criatura bradava, mas orientei minha mãe a andar dentro do seu limite, para que não se machucasse.

Agora vê se pode. O Brasil é um país de mal-educados que não querem ter deveres, apenas querem ter direitos. Direito a desrespeitar o direito dos outros. Por que tem que ser assim?

A partir da promulgação da Constituição Federal Brasileira, a questão das deficiências passou a ser entendida como uma política de Estado e não mais como um problema de alguns. Em seu artigo 23, Capítulo II, a Constituição determina que “é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios cuidar da saúde e assistência públicas, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiências”.

Já a Lei n.º 7.853/89, de 24 de outubro de 1989, dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, consolida as normas de proteção, e dá outras providências. Uma década depois, foi regulamentada por meio do Decreto nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999.

No ano 2000, foram promulgadas as Leis nos 10.048, de 8 de novembro de 2000, que dá prioridade de atendimento às pessoas portadoras de deficiência, os idosos com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, as gestantes, as lactantes e as pessoas acompanhadas por crianças de colo, e 10.098, de 19 de dezembro de 2000, que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras providências. Para regulamentá-las, foi determinado o Decreto nº 5.296 de 2 de dezembro de 2004.

Além das citadas, existem outras Portarias Ministeriais. A Legislação que trata desse tema é ampla, contudo podemos observar que é desconhecida e desrespeitada na mesma proporção.

Quem já não se deparou com calçadas esburacadas, muitas vezes, pelo próprio Poder Público? Veículos automotores estacionados irregularmente, árvores mal colocadas e toda sorte de entulhos e, até mesmo, construções sobre o passeio público parecem ter se tornado a regra e não a exceção em nossas cidades.

E o mobiliário urbano? Se já não bastassem as calçadas serem esburacadas e mal projetadas, sem as devidas rampas de acesso e faixas em relevo (que facilitam a mobilidade de cegos), o mobiliário urbano se torna mais um obstáculo aos pedestres sejam portadores de deficiência ou não. São pontos de ônibus, postes de iluminação pública e fradinhos mal localizados e os meios-fios extremamente altos que só podem ser transpostos por atletas. Já os telefones públicos que, por vezes, se apresentam mal localizados e/ou mal sinalizados e cujas medidas de altura nem sempre permitem que um cadeirante ou uma pessoa de estatura baixa possa utilizá-los.

Incluem-se nisso, o transporte público não adaptado ou mal adaptado, as estações de Metrô e trem que muitas das vezes não são acessíveis, por não apresentarem rampas adequadas e elevadores ou plataformas elevatórias, os sinais de trânsito que não têm alarme sonoro, a sinalização de rua (placas e afins) que não vêm com a indicação em braille para que os cegos possam se localizar e se mover com maior autonomia, os banheiros que, quando existem, não estão adaptados e os prédios públicos e privados que ainda não se adequaram às normas previstas na Legislação.

Muitos podem pensar que nada têm a ver com isso, pois não são portadores de deficiências. Grande equívoco esse. Se considerarmos que somos moradores de uma cidade, que pagamos altíssimos impostos, que podemos nos tornar deficientes em algum grau ou termos um ente querido nessa situação e, mais ainda, que somos cidadãos civilizados que queremos ter uma cidade bonita e acessível para todos que vivem e aqueles que nos visitam, temos que nos considerar responsáveis pelo cumprimento das Leis.

Mesmo antes de um infeliz me atropelar e me deixar com um joelho comprometido, eu já pensava nesse assunto. Por fazer parte da Comissão de Saúde de meu Conselho Profissional, compunha um grupo atuante e preocupado com a questão da acessibilidade. Se não pudessemos resolver os problemas de toda a cidade que, pelo menos, em nosso Conselho e arredores tínhamos que fazer a diferença.

Nesse intuito, propusemos algumas alterações estruturais de acordo com o que a Legislação exigia. Uma vez que as medidas ficariam muito onerosas, decidiu-se pela aquisição de nova sede, o que facilitou o acesso de pessoas idosas, deficientes, grávidas, com mobilidade reduzida e/ou temporária.

A Cidadania é uma construção diária. Não podemos ficar esperando o problema nos atingir para que comecemos a nos importar. Talvez seja tarde demais quando isso acontecer.

Fontes de Referência:

Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Assistência à Saúde. Manual de Legislação em Saúde da Pessoa Portadora de Deficiência/ Ministério da Saúde, Secretaria de Assistência à Saúde. – Brasília: Ministério da Saúde, 2003.

Brasil. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia Para Assuntos Jurídicos. Lei nº 7.853, de 24 de outubro de 1989. Brasília.

Brasil. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia Para Assuntos Jurídicos. Decreto nº 3.298, de 20 de dezembro de 1999. Brasília.

Brasil. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia Para Assuntos Jurídicos. Lei nº 10.048, de 8 de novembro de 2000. Brasília.

Brasil. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia Para Assuntos Jurídicos. Lei nº 10.098, 19 de dezembro de 2000. Brasília.

Brasil. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia Para Assuntos Jurídicos. Decreto nº 5.296 de 2 de dezembro de 2004. Brasília.