sábado, 19 de março de 2011

O Discurso de Obama

Nada contra o ilustre presidente dos EUA. Eu até gosto dele e do estilo que vem imprimindo à governança do seu país. Tem proposto reformas importantes em setores que outrora eram intocáveis, caso dos sistemas financeiros e de saúde norte-americanos. Ele é atlético, parece ser bom marido e pai. Ele passa aquela segurança que dá gosto de ver em um estadista. Sim, Barack Hussein Obama é um estadista.

Acho mesmo uma palhaçada essa história de ele ser sempre apresentado como o “primeiro presidente negro dos EUA”. Se ele não tivesse um braço ou perna, ou fosse cadeirante, cego ou surdo, ele seria o “primeiro presidente portador de deficiência dos EUA”. Isso também valeria para qualquer outra característica que estivesse de acordo com o que uma suposta maioria definiu como anormal: gay, calvo, obeso, diabético, hipertenso e por aí vai.

Coisa chata e estúpida! Parece que o camarada só tem isso para mostrar ao mundo. Quando ouço essas baboseiras, fico com a impressão de que o presidente Obama não tem outras credenciais além de ser “primeiro presidente negro dos EUA”. Será que ter nascido com a cor da pele escura foi a coisa mais importante que ele fez vida? Puxa vida, o cara foi líder estudantil, estudou Direito e Ciências Políticas, é o atual presidente dos EUA. Será que a cor da pele faz alguém ser especial? É por isso que o racismo e qualquer tipo de discriminação são uma estupidez.

Mas não é sobre racismo que quero tratar aqui. Gostaria de falar dessa visita ao Brasil, especialmente das escolhas dos locais a serem visitados, do aparato montado, dos motivos e das consequências dessa histórica visita.

Alguém aí já se perguntou por que Obama está visitando o Brasil? Por que agora? Por que escolheu o Rio de Janeiro, mais ainda, por que escolheu a Cinelândia para um “discurso ao povo brasileiro”? Por que um “discurso ao povo brasileiro”? O que ele teria para dizer? Quais os seus interesses?

Então vamos a alguns fatos. Os EUA e o mundo ainda se recuperam da crise de 2008 gerada pelo mercado financeiro norte-americano. Acho que é notório que o mundo depende dos norte-americanos, porque são eles que consomem tudo o que se produz no mundo. Acontece que nessa crise, algumas coisas ficaram diferentes. Dessa vez os americanos também sentiram as perdas geradas pela explosão da “bolha de crédito”, criada artificialmente quando especuladores do mercado imobiliário saíram distribuindo crédito para que as pessoas, mesmo aquelas sem condição de saldar as dívidas, comprasse imóveis. Houve gente hipotecando seus imóveis para comprar outros com o dinheiro adquirido com a hipoteca. O problema é que muita gente não conseguiu saldar os empréstimos realizados no sistema financeiro e os valores dos imóveis foram jogados no chão, o que, em efeito cascata, descapitalizou o mercado.

Muito que bem. Devemos lembrar também que os norte-americanos estão perdendo seu posto de “donos do mundo”, econômica e militarmente, para os chamados países emergentes, em especial a China. As últimas guerras (Afeganistão e Iraque) criadas para melhorar esse cenário não foram muito bem sucedidas no que tange a melhora da posição dos EUA como líder mundial. George W. Bush fez um “excelente” papel no que diz respeito à desmoralização dos americanos perante o mundo. Então Obama, por ser negro(?) e Democrata teria esse papel quase messiânico de reerguer os 50 estados ao patamar de principal potência mundial.

Mas, voltando à visita ao Brasil. Acredito que é apenas mais uma de suas investidas em busca do posto perdido.

Por ter acreditado na gaiatice de Obama, o patético ex-presidente Lula pensou mesmo que era o “cara”. Sendo assim, apenas deu continuidade à sequência de atos estúpidos no que tange às relações exteriores com países tais como a China, Iraque, Líbia, Cuba, Venezuela e outras ditaduras e republiquetas consideradas pelo molusco legítimas democracias. O Brasil, desde sempre, teve papel estratégico, militar e economicamente, dentro da América Latina para os EUA. E é lógico que essa aproximação com rivais históricos dos norte-americanos não seria vista com bons olhos. E vejo nisso um ótimo motivo para essa visita.

Nos últimos anos, o Brasil vem se destacando no cenário mundial como país emergente, seja como um dos maiores exportadores de produtos do agronegócio (soja, etanol, açúcar, carne de boi e porco), seja como, mais recentemente, como um dos grandes produtores de petróleo. Infelizmente, nada disso tem trazido verdadeiros benefícios sociais à população, pois pagamos pesados impostos e não vemos nenhum retorno social. Mas isso é outra história.

Outro fato que também tem chamado atenção é a vontade do Brasil ter assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. Fora as relações comprometedoras, o Brasil foi um dos cinco países que se absteve na votação pela criação de uma área de exceção no espaço aéreo líbio, que visa impedir que o Exército da Líbia ataque os cidadãos contrários ao regime vigente. Covardia ou diplomacia? Agora, alguém em sã consciência teria coragem de deixar um país que mantém relações perigosas com países dominados por ditadores, que expropriam e humilham seus povos, ser membro permanente de um conselho de segurança mundial? É fato que os norte-americanos não estão preocupados com o mundo, mas não deixa de ser providencial essa recusa ao Brasil.

Além disso, para engrossar a fieira de motivos que está trazendo o presidente Obama ao Brasil, temos a defesa feita pelo presidente molusco ao Irã mesmo havendo fortes indícios de fraude naquelas eleições presidenciais, o fato do molusco ter chamado Muammar Khadafi de irmão, fora o fato de a China ser considerada parceira comercial do Brasil.

É ou não é motivo à beça?

Quero deixar bem claro que não sou pró-EUA nem contra-EUA. E é por isso que estou escrevendo esse texto. Pretendo apenas exercitar o pensamento.

Já falamos sobre motivos e momento histórico. Falemos agora da escolha do Rio de Janeiro. Parece óbvio dizer que o Rio de Janeiro é a vitrine do Brasil, mas nesse caso isso vem muito a calhar. Ora, pense comigo: você nasceu e cresceu sabendo que é rico e dono do mundo. Por contingências da vida, você sofre uns abalos. Além disso, sua família tem te cobrado muito uma atitude mais assertiva, mas não tem te dado muito apoio. Você não se deixa abater e quer mostrar para todos que ainda se mantém rico e poderoso. O que fazer? Correr atrás do prejuízo, ou seja, correr atrás dos países que sempre te apoiaram Esse é o papel do Obama nesse momento. Ele precisa mostrar ao mundo e aos EUA que os norte-americanos continuam poderosos. Nada melhor que um país como o Brasil para começar a retomada do poder.

Rio de Janeiro, “Cidade Maravilhosa”, palco da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016, com favelas supostamente pacificadas, morada do Cristo Redentor (uma das 7 Maravilhas do Mundo Moderno), cantada em verso e prosa por ter as praias e as mulheres mais bonitas do mundo e por aí vai. Acrescente-se o fato de o “discurso ao povo brasileiro” ter como palco a Cinelândia, espaço popular de tantas legítimas manifestações políticas. Acredito que até habitantes de outros planetas sabem das vantagens de uma apresentação no Rio de Janeiro nos dias atuais. Quer cenário melhor?

Então temos o seguinte: O presidente Obama se viu politicamente enfraquecido em seu país e buscando melhorar a situação, decidiu que começaria sua reação com viagens internacionais. Em última análise, o Brasil, por estar em um bom momento frente aos demais “parceiros” históricos, seria um bom começo. Mas não poderia ser uma visita qualquer, criou-se assim o evento “Discurso ao povo brasileiro”. Para tanto, sua “inteligência” escolhe a dedo o local, organiza um megaevento em praça pública com direito a interdição de ruas e controle do espaço aéreo do Centro da cidade. Praticamente a criação de um território norte-americano em pleno Centro da cidade, porém fora do Consulado.

De última hora, parte dos planos do presidente Obama é frustrada: o discurso não mais será em praça pública como planejado. A ideia agora é que o evento seja realizado dentro do Theatro Municipal do Rio de Janeiro para um público seleto. E onde fica o povo brasileiro nisso tudo?

Vergonha maior é o papel que as 3 esferas de governo estão fazendo em virtude dessa visita. As ruas da cidade, por onde passará a comitiva do presidente Obama, estão sendo limpas, asfaltadas e remendadas. O mobiliário urbano também está recebendo um trato especial e sendo recuperado. Ruas da Cidade de Deus, favela (comunidade para os politicamente corretos) que poderá receber a visita da Primeira Dama Michelle Obama estão recebendo um carinho todo especial, estão sendo varridas e asfaltadas, para que a visitante não veja a realidade da população.

Quem lê a minha crítica às “obras” poderá ter a impressão de que estou sendo contra a melhoria das condições de vida da população pobre. Mas, o que quero apontar é que os reparos só estão sendo realizados porque visitantes estrangeiros chegarão por aqui. Há anos, os moradores das regiões que estão recebendo maquiagem solicitam providências. Por que será que obras necessárias de saneamento e urbanização de favelas (do estado como um todo) não são vistas como prioridades pelo Poder Público? Obras necessárias para a população são realizadas a título de maquiagem para “inglês ver” (nesse caso, para norte-americano ver)? Será que o povo nativo não merece respeito?

Sobre o desrespeito dos governantes à população, o papel da imprensa tem sido medíocre. Os jornais apenas têm noticiado o fato de a prefeitura estar maquiando a cidade para a visita. Nada mais. Nenhuma crítica se ouve. Pior, tem mostrado que não há vozes discordantes. É como se todo mundo estivesse achando o máximo receber a visita do presidente norte-americano. Mais ainda, reforçam a imagem de que o povo é realmente colonizado, subserviente e alienado. Vendem a visita do chefe de Estado como se fosse um megaevento de música. Isso fica claro quando assistimos as reportagens, onde nativos embevecidos se mostram orgulhosos e cheios de importância, porque acreditam que essa visita significa que o Brasil ficou famoso, quando na verdade é só uma demonstração de força do colonizador. Alguns podem dizer que, se as pessoas não criticam, é porque são de classes populares. Ledo engano. A ignorância está em toda a parte. A falta de crítica por parte dos brasileiros, em especial dos fluminenses, é assustadora. Comportam-se como eternos colonizados que agradecem ao seu colonizador. Como um povo pode entender que seu colonizador não é seu parceiro, mas de um jeito ou de outro será um explorador, sem que haja um processo maciço de Educação?

Pior que tudo isso é a repressão que a polícia militar realizou à manifestação contrária à visita de Obama. O protesto contou com a presença de militantes de partidos políticos (inclusive da base do atual governo federal) e estudantes. Os manifestantes se dirigiam ao Consulado Americano quando foram abordados pela Polícia Militar que informou que a manifestação não tinha autorização. Apesar de a manifestação transcorrer sem maiores problemas, algum mal-educado exaltado resolveu jogar coquetéis Molotov contra a sede do Consulado, causando ferimentos em um funcionário e provocando o revide da polícia com balas de borracha. O protesto é legítimo, a violência jamais.

Se por um lado, tudo isso não passa de mais uma demonstração de poder por parte dos EUA; por outro, os governos brasileiros passam a impressão de que estamos em pé de igualdade com os norte-americanos. Essa ilusão de igualdade fica patente no discurso dominante, no qual se privilegia o aumento do consumo por parte dos mais pobres. No entanto, assim que a ameaça da inflação se fizer presente, os juros serão reajustados e os preços dos alimentos sofrerão aumentos que pesarão no orçamento desses mais pobres.

Diferentemente do que o novo slogan do governo federal apregoa, um país desenvolvido não é aquele que não tem pobreza; leia-se “povo que consome sem restrições todo tipo de porcarias que está no mercado”. Na verdade, um país desenvolvido é aquele cujos habitantes receberam Educação. Pois, com Educação, o povo, conhecedor de seus direitos e deveres, não será manipulado por propagandas estatais mentirosas e será mais consciente, não se deixando levar por apelos consumistas sem questionamentos. Povo rico é aquele que consegue fazer escolhas inteligentes que beneficiam o coletivo social.

Bem, já falei demais. Vou me despedindo. Mas, sabe que eu fiquei curiosa para saber o que o visitante tem para dizer. Finalmente, o que o presidente Obama tem a dizer ao povo brasileiro?

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